O carioca está de luto. Há alguém que deve assumir a Prefeitura, mas que não foi referendado nas urnas. A maioria dos eleitores simplesmente não o escolheu como prefeito
A afirmação pode parecer absurda, mas explico já. O Rio de Janeiro tem, em números redondos, 4 milhões, 580 mil eleitores. Desses, 315 mil foram às urnas e teclaram nulo ou branco. Outros 927 mil optaram por simplesmente não comparecer (sobre eles, comento daqui a pouco). E 1 milhão , 640 mil votaram em Fernando Nagle Gabeira.
Façamos então as contas: temos aí 2 milhões, 882 mil eleitores cariocas que se recusaram a votar em Eduardo Paes, contra apenas 1 milhão,696 mil que votaram nele.Uma diferença, portanto, de quase 1 milhão e 200 mil votos. O que se comenta hoje é que a gigantesca abstenção é a culpada por esse desastre. Que muitos foram à praia ou viajaram, deixando de participar do processo eleitoral, o que deu chance à eleição de um prefeito sem representatividade. Mas isso é uma verdade parcial. A verdade é que a abstenção indica, antes de tudo, o não-desejo de voto em qualquer dos dois candidatos. Cabe então, agora, analisar quem foram esses candidatos e quais as suas propostas.
Fernando Gabeira é um homem de 67 anos, cuja vida pública nunca foi segredo para ninguém. Sempre teve um perfil polêmico, de luta por direitos individuais e civis que nem sempre foram aceitos por todos (falo especialmente da questão do uso de drogas e da liberdade sexual). Por conta disso, criou-se em volta de sua imagem um estereótipo de natureza moral, o que fez dele alvo preferencial de preconceitos. O que fez com que sua rejeição fosse naturalmente elevada. Além disso, sendo um político com toda uma história de lutas pela democracia, muitos não aceitaram ver nessa candidatura a aproximação de pessoas que historicamente não parecem afinados com essas idéias (como empresários, banqueiros e militares).
Esses fatores trouxeram um ingrediente de rejeição à candidatura Gabeira, o que talvez explique um pouco aquela “omissão” que citei acima. Mas, por outro lado, houve uma maciça adesão à sua candidatura por parte daqueles que a entenderam como uma candidatura limpa, honesta, ética, verdadeiro contraponto à maquina que se montou do outro lado. Eis a origem da Onda Verde.
Cabe agora analisar a candidatura de Eduardo Paes. Um político jovem, com uma breve carreira política, sempre atrelado à maquina da Prefeitura de César Maia, que após diversas mudanças de partido, foi escolhido pelo governador Cabral para ser o seu representante na Prefeitura. Ou seja, não foi a candidatura de um político, ou de um partido, mas sim a afirmação de um projeto de poder da máquina do governo estadual. Cabe ainda ressaltar que a candidatura foi registrada de forma irregular, já que não foi obedecido o prazo de desincompatibilização do cargo antes ocupado pelo candidato.
E o que assistimos foi o mais brutal uso de máquina eleitoral de que se tem notícia na história recente do país. As ruas da cidade, de norte a sul, foram tomadas por propaganda maciça, regular e irregular, que poluiu a cidade tanto física quanto visualmente, objetivando saturar a população com a imagem do candidato (já que, de resto, trata-se de um político sem luz própria, com perfil burocrático e amorfo). Quando a imagem estava consolidada, entrou em cena a máquina do poder: diversas inaugurações de caráter populista, como UPAs e Restaurantes Populares, que não resolvem os reais problemas da população, que dão aos mais pobres a falsa sensação de amparo governamental, mas que na verdade apenas disfarçam a crônica incapacidade do Estado em prover a infraestrutura necessária para o bem estar da população.
Outro ponto a ser destacado foi a sucessão de crimes eleitorais, inclusive a campanha difamatória contra Fernando Gabeira, em que se destacaram desde boatos espalhados entre a população até a quantidade industrial de panfletos apócrifos, cujo financiamento até agora não está identificado. Fala-se em gastos de campanha em torno de 50 milhões. De fato, a julgar pelo que se viu nas ruas, não deve ter sido muito diferente disso.
Se nada disso pareceu suficiente, ao longo da campanha foi se agregando à máquina um leque de apoios improváveis: partidos ditos de esquerda, sindicalistas, organizações estudantis, políticos investigados por banditismo e até um largo espectro religioso, que misturou no mesmo caldo a Igreja Universal do Reino de Deus e umbandistas, passando pelo fundamentalismo católico da Opus Christi.
De que se trata então, de uma frente de salvação da cidade? Não, trata-se de um projeto de seqüestro da cidade por parte das forças mais vis e retrógradas, com o único objetivo de promover o butim da cidade através do voto. Buscou-se, em especial, o voto dos mais pobres, oprimidos pelo estado de necessidade (que levou à crença nas promessas populistas) ou pelo estado de medo (o domínio terrorista das milícias e/ou traficantes em várias regiões da cidade.
Agora, volto à premissa do título deste texto. Eduardo Paes foi fragorosamente derrotado nas urnas, repito. Foi derrotado porque mesmo com a máquina gigantesca em torno de sua candidatura, não obteve a maioria. Praticamente um terço do eleitorado rejeitou sua candidatura, mesmo não tendo votado em Fernando Gabeira. Foi derrotado porque mesmo concorrendo contra uma candidatura quase quixotesca como a de Gabeira, só conseguiu superá-la, entre os que decidiram escolher um dos candidatos, por magérrimos 56 mil votos.
Então, deixemos de nos culpar por essa eleição. Paes não foi eleito, foi rejeitado, repito. Aqueles que se ausentaram do processo eleitoral fizeram isso porque se recusaram a compactuar com a campanha suja da máquina e porque não viram em Gabeira uma opção. A abstenção foi sim, um ato de democracia.
Cabe-nos agora questionar: será que devemos aceitar passivamente que essa máquina funesta que alcançou a Prefeitura movida por todo esse casuísmo aja livremente, sendo sustentada por nossos impostos, e atendendo a interesses que não são os da maioria da população, já que não foi eleita por ela?
Com a palavra, nós, cariocas.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
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2 comentários:
Parabéns pela abordagem. O texto foi claro e elucidativo. Torço para que algo aconteça.
Um abraço,
Rosa Maria
um canadense disse uma vez:
Se voce escolhe não decidir, mesmo assim fez uma escolha
os que não foram as urnas decidiram aceitar o vencedor, isso não lhes da mais o direito de se queixarem, ao contrario de quem escolheu o Gabeira
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